sexta-feira, 5 de abril de 2013

Para entender melhor os hermanos

Dizem que os europeus nascem entendendo de vinho. Nada! O sujeito da Borgonha nasce entendendo de vinho da Borgonha, o do Piemonte, entendendo de vinho do Piemonte. Eles sabem quem na vizinhança é mais caprichoso, quem é meio picareta, quem é esforçado, mas tem um pedaço de terra que não ajuda, e quem tem mãos de ouro e um vinhedo abençoado. É como o sitiante mineiro que, por mais simples que seja, não hesita ao indicar o melhor produtor de queijo de sua região. Dê apenas 15 minutos e poucos  euros para um piemontês médio comprar um vinho em uma loja de Dijon e, aposto, ele sairá com algo muito aquém do que está acostumado a beber em casa pelo mesmo preço. Comprar vinhos é muito difícil! Há uma infinidade de variáveis envolvidas na escolha, pois, apesar de o consumo ter se tornado globalizado, a produção de vinhos (ou, pelo menos, de alguns dos melhores deles) ainda é muito fragmentada em mínimas localidades cheias den peculiaridades
Eu confesso que, até hoje, entrar em uma loja de vinhos no exterior (ou mesmo em grandes lojas no Brasil) é algo um pouco angustiante, me sinto como se estivesse diante de um tesouro escondido em meio a várias pedras falsas: as chances de eu reconhecer as verdadeiras joias não são grandes. Para isso, graças a Deus, existem os críticos e seus guias. As pessoas falam muito mal do Robert Parker, o crítico americano que popularizou o sistema de pontos, dizem que ele só gosta de um estilo de vinho, que leva os produtores a alterarem seus vinhos para agradá-lo, mas, quando você entra correndo em um supermercado para comprar um tinto para o jantar na casa de amigos daí a dez minutos, é um grande conforto se deparar com uma garrafa de preço razoável acompanha de uma etiqueta que diz "91 pontos RP".


Robert Parker não é o único crítico de vinhos no mundo, nem tampouco o melhor para todas as regiões produtoras. Na América do Sul, vale mais a pena apostar no taco de Patricio Tapia, o jornalista chileno que desde 1999 publica o guia Descorchados. De início, Tapia e sua equipe avaliavam apenas os vinhos chilenos. Desde 2008, eles provam também os argentinos e, a partir de 2014, irão pontuar também os uruguaios. E os brasileiros? "Estamos estudando", diz Tapia. "Talvez em 2015. Não estou seguro porque não sei se darei conta de visitar também as vinícolas do Brasil." Como Parker, Tapia usa a escala de 0 a 100, mas não sem revolta: "Não estou de acordo em colocar números nos vinhos. Não gosto disso. Sinto que eles são frios. (...) Tenho que usá-los porque são uma linguagem universal, um consenso. Relutantemente uso-os pensando que, mais do que a pontuação, no que vocês se fixarão será no comentário do vinho", escreve na Introdução de Descorchados 2013.
Duvido que a maioria dos leitores se interessem mais por palavras que por números, mas sempre haverá pessoas como eu, uma enogeek assumida, que gostam de saber qual a variedade da uva, como foi feita a fermentação, quanto tempo o vinho ficou em barricas de carvalho, se as vinhas eram novas ou velhas, etc. Na verdade, para os nerds do mundo do vinho, os textos de descorchados são até um pouco breves demais. Mas temos de admitir que seria impossível publicar textos enormes a respeito de cada um dos 2500 vinhos avaliados. Os mais bem pontuados são maiorzinhos e o importante é que eles estão todos aqui relacionados. Quem quiser saber mais é só dar um google.
Para lançar a versão brasileira do guia, Tapia esteve em São Paulo em março com um séquito de alguns dos maiores enólogos da América do Sul. Vieram alguns representantes de algumas casas bastante conhecidas do consumidor brasileiro, como Alejandro Vigil da argentina Catena Zapata e Felipe Tosso da chilena Ventisqueiro, outros de pequenas vinícolas butique, como Jean Pascal Lacaze da chilena Clos Quebrada Macul e Walter Bressia da argentina Bressia, todos devidamente acompanhado de seus vinhos mais pontuados no guia Descorchados. Participaram ainda do evento destinado à imprensa duas representantes de vinícolas uruguaias, a enóloga Estela de Frutos da Estancia La Cruz e  Mariana Cerutti, responsável pela parte de turismo da Vinedo de los Vientos. fiquei especialmente surpreendida com a qualidade de alguns brancos, o Tara Chardonnay 2011 (94 pontos), já que nosso continente é mais famoso pelos tintos. Um vinho feito pelo grupo Ventisqueiro em uma pequena vinícola butique em pleno deserto de atacama que, nas palavras de Tapia, tem "uma acidez que lhe corta a língua" -- acidez em chardonnays do novo mundo é coisa rara, em geral, eles são um tanto chatos e enjoativos. Outro que impressionou muito foi o Chacal Chardonnay 2011 (94 pontos), também bastante mais elegante que os chardonnays amanteigados e cheios de madeira. Para saber mais, vale comprar o guia.


Descorchados 2013
Guia de Vinhos Argentina e Chile
Patricio Tapia
Inner
754 páginas
90 reais

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