quinta-feira, 4 de abril de 2013

Degustar é preciso

Como disse no post anterior, só abrindo a garrafa e tomando o vinho para ter certeza de que ele é assim ou assado. Foi o que eu fiz com algumas garrafas de tintos que eu supunha que pudessem ser bacanas para o verão. A escolha não foi aleatória, passei por várias lojas e importadoras buscando vinhos com as características desejáveis. Quando vou comprar uma garrafa para uma situação específica, imagino o que seria ideal, procuro entender o que as palavras e os números dos rótulos significam e tento associar esse monte de informações a meu repertório de aromas, sabores e sensações táteis.  Sei que, para a maioria das pessoas, repertório de aromas e sabores é uma tremenda frescura. Mas, por menos consciência que tenha disso, todo mundo tem na memória vários cheiros: de frutas, flores, ervas. Puxar essas informações da memória, contudo, nem sempre é tão fácil. Por isso, além de servir para indicar alguns rótulos bons para o verão, espero que este post sirva como um exercício de degustação. Degustar não é simplesmente beber, é reparar na aparência, nos aromas, se o vinho é doce ou seco, mais encorpado ou menos encorpado e uma série de outros detalhes.(continua)



No post anterior, dei dicas de que dados procurar no rótulo (ou na internet) quando se quer um vinho tinto que seja fresco o bastante para tomar à beira da piscina numa tarde de verão. Agora espero ajudar a julgar, depois da garrafa aberta, se o tinto escolhido combina mesmo com o verão. Peço perdão, mas vou sim falar em frutas vermelhas, especiarias, floral e o diabo a quatro em todos os casos em que tenha reparado na presença desses aromas. Críticos, jornalistas e especialistas em vinho falam essas coisas porque querem que as pessoas lembrem dos cheiros durante a leitura e consigam ter uma ideia do que é o vinho. Isso não é ser enochato, ser enochato é sair repetindo essas descrições na mesa do jantar. A minha sugestão é degustar entre amigos que tenham interesse especial por vinho e simplesmente beber quando estiver num grupo maior, daqueles em que têm gente de todo tipo. Bom, vamos aos vinhos:

O senhor verão: Morgon Marcel Lapierre 2010

Quando se fala em vinho tinto bom para o verão, para ser tomado fresquinho, o primeiro nome que vem à cabeça de alguém que tenha alguma experiência na área é Beaujolais. A região, que faz parte da Borgonha, na França, ficou famosa principalmente por causa do beaujolais noveau, um vinho extremamente jovem e leve, mas não de muita qualidade, que não pode ser guardado por mais de que uma meia dúzia de meses. Embora algumas pessoas torçam o nariz porque ele é um produto feito para o consumo de massa, o beaujolais noveau pode realmente ser uma boa escolha para uma tarde descompromissada. Porém a região também tem opções para quem quer de mais qualidade. Dentro dela, um pequeno lugarejo chamado Morgon produz grandes vinhos. Seus grand crus são leves já que, assim como o noveau, são feitos da uva gamay, uma variedade de casca bastante fina, mas têm alguma complexidade de aromas. Este é do produtor Marcel Lapierre, considerado o responsável por recuperar a reputação de Beaujolais depois que a região passou a ser identificada apenas pelo seu vinho mais barato. Muitos o consideram o melhor dos beaujolais. Se é o melhor, não posso dizer, teria de ter degustado outros grand crus junto, mas afirmo sem medo que é um grande vinho. Foi o preferido de todos na nossa degustação.Nós tomamos a safra de 2010, pela cor, púrpura, dá para saber que o vinho ainda estava jovem: um vinho tinto vai ficando atijolado quando envelhece. Era bastante fresco no nariz e na boca, sentimos aromas de frutas vermelhas, especiarias (cravo, pimenta-do-reino) e alcaçuz. Na boca ele era leve, mas dizia ao que vinha, com uma ótima permanência de aromas.  

Ficha
País: França; região: Beaujolais; safra:2010; uva: gammay; preço: 136 reais; teor alcoólico: 12,5%; passagem por madeira: 9 meses em barricas de 216 litros; produtor: Marcel Lapierre

Leveza e estilo: Amiot Guy e Fils Bourgogne Pinot Noir 2010

Os vinhos da Borgonha, na França, conseguem ser ao mesmo tempo leves e complexos. Com pouco taninos, os tintos sempre feitos de pinot noir (com exceção dos beaujolais) são perfeitos para dias quentes. O único problema é que costumam custar caro. Um grande borgonha com certeza será uma delícia para tomar na beira da piscina. Mas, ao menos que você esteja podendo gastar milhares de reais em vinhos, procure por garrafas mais simples de bons produtores. As mais baratas são as que, além do nome do produtor, trazem no rótuloapenas o nome Bourgogne na área destinada a denominação. Se além de Bourgogne vier também o nome de uma cidade, você já está diante de um village. A maneira mais fácil de não errar na hora de comprar um borgonha genérico de um bom produtor é pedir exatamente por isso a um importador de sua confiança. Este é um básico muito bom. Dividiu opiniões em nossa degustação. Eu mesma não sei se gostei mais dele ou do Morgon. Ainda está púrpura, mas, como é leve, é translúcido. No nariz, sentimos aromas de flor, amora e já apareceu algo meio terroso, talvez um cogumelo, algo que deve crescer bastante quando este vinho envelhecer um pouco mais.

Ficha

País:  França; região: Borgonha; safra:2010; uva: pinot noir; preço: 115 reais; teor alcoólico: 13 %; passagem por madeira: 6 meses; produtor: Amiot Guy et Fils

Glorieta Pinot Noir 2010                                                                                                 

A qualidade e a diversidade de aromas de um grande pinot noir, como os grand cru da Borgonha, é imbatível. Fora de sua terra natal, no entanto, essa casta nem sempre rende bons vinhos. Costuma se dar melhor em regiões frias como o Oregon, nos Estados Unidos, ou Valle de Casablanca, no Chile, já que nas regiões quentes fica amadurece demais e perde toda sua sutileza e elegância. Tida como uma uva caprichosa, porém, ela tem a pele muito fina, o que a faz suscetível às intempéries. Conclusão: mesmo no novo mundo, os bons pinots costumam ser um pouco caros. Este é uma exceção. Faz parte de um projeto pessoal de Laura Catena, vice-presidente da renomada Bodega Catena Zapata, com pequenos produtores de Mendonza, na Argentina. É um vinho despretensioso, mas muito agradável. Com toques de couro e cogumelos, foge um pouco daquela coisa extremamente frutada dos vinhos considerados mais frescos e, ao mesmo tempo, perfeita para elaborar vinhos de verão: leves, com poucos taninos. Engana-se, porém, quem acha que todo vinho leve é um simples. 

Ficha
País: Argentina; região: Mendonza; safra: 2010; uva: pinot noir; preço: 55 reais; teor alcoólico: 13,5%; passagem por madeira: 10 meses; produtor: La Posta

Chianti DOCG Piccini 2010                                                                                            

A primeira imagem que vem à cabeça quando se fala em chianti é aquela garrafa bojuda, coberta com palhinha e de conteúdo duvidoso tido como o par perfeito para uma pizza, seja ela de que sabor for. Mas o vinho chianti dos dias de hoje têm tanto a ver com essa imagem quanto o italiano moderno, de roma ou Milão, têm a ver com a conçoneta A Tarantela. Feito principalmente da uva sangioveze, esse vinho toscano varia muito dependendo da região e do produtor.  Os mais encorpados e complexos vêm da região delimitada de Chianti Classico DOCG. Este é um vinho mais simples, simplesmente Chianti, de uma propriedade perto de Siena. Sua cor é rubi, mas já tem um leve alaranjado. No nariz, procure por ameixa preta, violeta, pimenta-do-reino. Na boca,os taninos são um pouco rugosos, mas não incomodam. Se tomado a uma temperatura mais baixa, pode combinar com uma noite de verão.

Ficha
País: Itália; região:Toscana; safra: 2010; uva: 100% Sangiovese; preço: 48 reais; teor alcoólico: 12,5%; passagem por madeira: não tem ; produtor: Piccini

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